Livro: Cartas de um Diabo a seu Aprendiz - C. S. Lewis

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Dedicada ao seu amigo, J. R. R. Tolkien, esta obra-prima da ironia divertiu e instruiu milhões de leitores com seu retrato zombeteiro e irônico da vida humana feito a partir do ponto de vista do diabo Fitafuso. Ao mesmo tempo freneticamente cômica e supreendentemente original, a correspondência entre o experiente diabo e o seu sobrinho Vemebile mostra o lado mais sombrio e jocoso de C. S. Lewis.

As Cartas são um jogo ousado. Nelas, o diabo Fitafuso, que ocupa um alto grau na hierarquia infernal, se corresponde com seu sobrinho Vermebile, um mero iniciante na carreira, e lhe dá dicas de como proceder em sua missão: conquistar para as trevas a alma de um rapaz inglês na época da Segunda Guerra Mundial. Cada capítulo é uma carta diferente, sempre escrita por Fitafuso, que sugere estratégias, comenta os erros e sucessos de Vermebile e faz uma assustadora investigação da alma do rapaz (cujo nome nunca descobrimos), que, na prática, é um desnudamento da alma humana.

Parece sombrio, e de fato é um pouco, mas também é bastante engraçado. Fitafuso é espirituoso, esperto, e sabe se aproveitar das pequenas fraquezas humanas. A caracterização do Inferno como uma espécie de grande repartição, com uma intrincada burocracia e diabos tentando puxar os tapetes uns dos outros, também dá um tom interessante.

As Cartas, no entanto, acabam sendo um grande aprendizado sobre virtudes e vícios, sobre pecado e salvação. Orgulho, falsas amizades, fervor religioso, angústia, amor, gula, coragem e covardia, simplicidade… são muitas as questões que o livro aborda. O perturbador é o fato de essa abordagem se dar pelo avesso, pelas palavras de um diabo, ou seja, de alguém cujo objetivo é levar uma alma à perdição. Fitafuso chama Deus de o Inimigo e Satanás, Nosso Pai.

As Cartas são, assim, uma espécie de lembrete: vejamos como o mal age ao nosso redor, e tentemos fazer o contrário. Segue alguns trechos como aperitivo. Lembre-se de que em todos os casos quem fala é Fitafuso, dirigindo-se a Vermebile e mencionando Deus e o rapaz vítima das tentações (negritos nossos):

 

“Nunca se esqueça de que, quando lidamos com qualquer prazer, na sua forma normal e gratificante, estamos, de certo modo, no campo do Inimigo. Eu sei que já ganhamos várias almas através do prazer. Ainda assim, o prazer é invenção d’Ele, não nossa. Ele concebeu os prazeres . Nossa pesquisa, até o momento, não permitiu que produzíssemos sequer um deles. Tudo o que podemos fazer é encorajar os humanos a abordar os prazeres que o nosso Inimigo criou e usá-los de certas formas, ou em certos momentos, ou em certo grau que Ele tenha proibido. Sempre tentamos, portanto, trabalhar longe das condições naturais de qualquer prazer, e sim naquelas em que ele é menos natural, em que menos sugira seu Criador, e seja menos gratificante. A fórmula, portanto, resume-se a uma ânsia cada vez maior por um prazer cada vez menor. É mais seguro e mais elegante. Possuir a alma de um homem e não lhe dar nada em troca – é isso que realmente alegra o coração do Nosso Pai.”

 

 

Mais um:

“Parece que você vê a argumentação como o melhor método para mantê-lo afastado das garras do Inimigo. Talvez fosse esse o caso se ele tivesse vivido alguns séculos atrás. Naquela época, os humanos sabiam muito bem quando algo era provado logicamente ou não; em caso afirmativo, simplesmente acreditavam. Ainda não dissociavam o pensamento de suas ações. Estavam dispostos a mudar o modo como viviam a partir das conclusões tiradas de uma certa cadeia de raciocínio. Mas, com a imprensa semanal e outras armas semelhantes, conseguimos alterar tudo isso. O seu paciente foi acostumado, desde criança, a ter uma série de filosofias incompatíveis dentro da cabeça. Ele não classifica doutrinas basicamente como “verdadeiras” ou “falsas”, e sim como “acadêmicas” ou “práticas”, “antiquadas” ou “contemporâneas”, “convencionais” ou “cruéis”. (…) Não desperdice seu tempo tentando fazê-lo pensar que o materialismo é algo verdadeiro. Faça-o pensar que é algo sólido, ou óbvio, ou audaz – enfim, que é a filosofia do futuro. É com esse tipo de coisa que ele se importa.”

Por fim, este:

“Os Cristãos descrevem o Inimigo como alguém “sem o qual Nada é forte”. E o Nada é bem forte: forte o suficiente para roubar os melhores anos da vida de um homem, não através de doces pecados, e sim da terrível oscilação de seus pensamentos sobre sabe-se lá o quê, e sabe-se lá por que razão, na satisfação de curiosidades tolas das quais ele pouco tem consciência, no tamborilar dos dedos e nos breves momentos de euforia, no assobiar de canções de que ele não gosta ou no extenso e mal iluminado labirinto de devaneios que sequer possuem o sabor da luxúria ou da ambição, mas que, uma vez que o acaso lhes der o impulso inicial, a criatura estará muito fraca ou confusa para evitar.

 

Você dirá que esses são pecados bem pequenos e, sem dúvida, como todos os tentadores jovens, você está ansioso para relatar impressionantes atos de crueldade. Mas lembre-se de que a única coisa que importa é o quanto você afasta o homem do Inimigo. O tamanho dos pecados não importa, desde que seu efeito cumulativo seja o de afastar o homem da Luz e levá-lo para o Nada. O assassinato não é mais eficaz que o jogo de cartas se o jogo de cartas já for suficiente. De fato, o caminho mais rápido para o Inferno é aquele que é gradual – um leve declive, um caminho suave, sem curvas abruptas, sem marcações e sem placas.”

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