Once Upon a Time (série)

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Um inglês gorducho e simpático chamado Gilbert Keith Chesterton escreveu certa vez que o propósito dos contos de fadas não é ensinar às crianças que dragões existem, mas que os dragões podem ser derrotados. Segundo ele, o bebê já conhece o dragão desde o momento em que tem imaginação. O que os contos de fadas dão é um São Jorge para matar o dragão. E Once Upon a Time não foge a essa missão, copiada pelas óperas e pelas novelas (a versão moderna da ópera) com um açúcar excessivo: trazer um herói e, junto com ele, a fé de que o mal é derrotado no fim.

Exilados neste mundo

Imaginem que o mundo dos contos de fadas veio parar no nosso mundo, mais exatamente, no estado norte-americano do Maine, como uma espécie de exílio criado pela maldição da Rainha Má Regina (que surpresa, é “rainha” em latim) em um ato — meio desesperado, é verdade — para derrotar a Branca de Neve e todos que ela ama. Porém, ao contrário de enredos que seguem a linha do fantástico vindo visitar o real — como o filme Encantada(2007) — os personagens fantásticos não têm a menor consciência de nada. Vivem no mundo real como se dele pertencessem, totalmente enfeitiçados, e nem mesmo levantam dúvidas sobre como vieram parar aqui. Apenas uma pessoa pode salvar esses personagens: a filha da Branca de Neve com o Príncipe Encantado, uma moça chamada Emma Swan, enviada para este mundo ainda bebê, agora já adulta e com um filho de uma gravidez acidental que foi levado à adoção e acolhido, sem qualquer coincidência, pela Rainha Má, que agora é prefeita da cidadezinha que aprisiona todos os personagens. É este garoto que convence Emma a assumir-se como sua mãe biológica e engajar-se numa operação para derrotar a Rainha Má.

Além da Rainha Má e de quem colabora com ela, o garoto é o único que sabe da realidade daqueles pobres seres fantásticos aprisionados neste mundo, apoiado em algo que poderia ser chamado de fé num livro de histórias — o inglês “story book” assemelha-se ao som do nome da cidade, Storybrooke. Sua determinação em salvá-los usando histórias infantis é obviamente vista como coisa de criança; até que os eventos comecem a fazer sentido entre si.

Em quase toda a primeira temporada, cada personagem tem sua história contada em paralelos entre o mundo fantástico e o real. E é aí que está a parte mais bacana em curtir a série pelo ponto de vista católico.

Valores cristãos em toda a parte

 Não é segredo para ninguém que contos de fadas passam mensagens profundamente cristãs em roupagens do folclore europeu e do código de cavalaria, mesmo sem pronunciarem uma palavra de cristianismo. Todos falam de vícios e valores, tentações e temperança, mentira e sinceridade, valentia e covardia, responsabilidade e o valor das coisas, pessoas e atitudes. Falam sobre a recompensa de virtudes como trabalho, persistência, paciência e fé, e o custo pesado de vícios como preguiça, avareza, ganância e ira. Em muitas dessas histórias há a tentação de um caminho fácil, como invocar magia para segurar um amor ou esquecê-lo, e transformar palha em ouro com uma roca de fiar. Quem cede à tentação geralmente se dá mal, mas sempre há esperança quando se cultiva a força mais imponente de todas: o amor.

 

Junte todos esses elementos: uma humanidade presa no mundo material, como num exílio, vulnerável ao mal; a simples fé de que o mal será derrotado; exaltação das virtudes e o preço a ser pago pelos vícios; as virtudes cardeais da fé, da esperança e da caridade… precisa de mais elementos católicos? Além disso, Once Upon a Time conseguiu trazer os contos de fadas para um cenário mais próximo da realidade, pois somos de uma época em que uma loja de penhores ou um jornalista inescrupuloso são conceitos mais familiares do que uma roca de fiar.

 

 

Barganhas, o caminho mais fácil, a justiça: fraquezas

É preciso dar destaque para Rumpelstiltskin, ou Sr. Gold em nosso mundo. No conto original, é o duende que transforma palha em ouro para a filha do moleiro se casar com um príncipe, em troca do primeiro filho do casal. Quando o bebê nasce, a filha do moleiro tenta em vão quebrar o acordo, e só consegue se livrar dele descobrindo por acaso o nome-trava-língua do duende. A série de TV fez de Rumpelstiltskin um personagem muito interessante: não é necessariamente mal ou bom, mas um espertalhão que vive de fechar acordos desfavoráveis a pessoas incautas ou desesperadas. Há muitas lições aí: não há soluções fáceis, é preciso cuidado com os espertinhos, e as pessoas, especialmente os familiares, valem muito mais do que se pensa.

A Rainha Má Regina obviamente é outro pivô, com algo a acrescentar na perspectiva católica. É muito interessante notar que toda sua maldade veio de um evidente senso de justiça, torto como uma árvore do cerrado, mas ainda assim senso de justiça. Regina sente que Branca de Neve arruinara sua vida, e quem vê os últimos episódios da temporada pode dar alguma razão a ela. Isso traz outra lição: será que temos condição de avaliar o qual é a justiça e reinvidicá-la? Podemos julgar quem é a vítima, qual é o prejuízo e qual deve ser a reparação? Há um momento que devemos aprender a perdoar?

Há uma lição, contudo, que resume a história: tudo tem um preço, especialmente a magia.

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