Na Igreja, determinados assuntos não são objeto do crivo “democrático” mas da confirmação divina.

 

Por Edson Sampel

No recente conclave, surgiram, aqui e acolá, pleitos por “maior democracia” na Igreja. Os reclamantes afirmavam que o modelo atual, “monárquico absolutista”, precisa terminar. É necessária, dizem, uma descentralização do poder romano. Quando leio ou ouço esses argumentos, pergunto-me: qual é a ideia que tais pessoas nutrem a respeito da Igreja?

A Igreja católica, composta de clérigos (diáconos, padres e bispos) e de leigos (cristãos comuns), é uma sociedade totalmente alicerçada na pessoa de seu divino fundador, Jesus Cristo. A mensagem católica é imutável, porque Deus e sua doutrina são imutáveis. O papa, que faz as vezes de Jesus (vigário de Cristo), apenas comunica o evangelho. Todo o manancial de encíclicas, constituições apostólicas, decretos etc., emanados do sumo pontífice, constituem somente uma explicitação ou atualização da boa nova anunciada por Jesus. Tanto quanto possível, traz-se Jesus à contemporaneidade, por intermédio do magistério papal. A Igreja, ao largo desses dois mil anos de história, jamais criou uma doutrina sequer. Ela cumpre sua missão excelsa de propor à humanidade os valores morais do cristianismo. Além disso, a Igreja administra os sete sacramentos, todos instituídos por Jesus; nenhum por ela.

Passa pela minha cabeça, amiúde, se os indigitados “democratas” creem seja factível dividir a potestade do sucessor de são Pedro com alguns prelados, ou, ainda, que os bispos reunidos em concílio ecumênico, ou mesmo isoladamente, deliberem sem o papa, no que tange à fé e aos costumes. Ou, então, hipótese mais esdrúxula: que, “democraticamente”, se discutam dogmas “ultrapassados”.

Tudo isto é um absurdo! O modelo jurídico da Igreja é obra de Jesus Cristo. Aliás, não existe nada mais bíblico que a hierarquia eclesiástica. Basta compararmos o relacionamento hodierno entre o papa e os bispos com as interações que havia entre o apóstolo são Pedro e os outros apóstolos, narradas nas escrituras santas. Depois da morte e ressurreição de Jesus, nada de importante se executava sem o beneplácito de são Pedro, que era, indiscutivelmente, o chefe do grupo.

Nos Estados, é extremamente salutar que o poder advenha do povo (democracia). Desta feita, a Igreja, através da sua doutrina social, é a instituição do planeta que maiormente defendeu e defende o regime democrático para as sociedades políticas. No seio da Igreja, também pode e deve medrar a democracia, quando, por exemplo, os católicos de uma diocese elegem as prioridades pastorais (saúde, moradia, emprego), etc.

Na Igreja, determinados assuntos não são objeto do crivo “democrático”, mas do crivo divino. Nesse sentido, por exemplo, o parecer negativo sobre a homossexualidade estriba-se diretamente nos ensinamentos de Jesus, bem como nas sagradas tradição e bíblia. O mesmo ocorre com o aborto, a indissolubilidade do casamento ou com o uso de pílulas anticoncepcionais, ou, ainda, com a ordenação de mulheres. A Igreja, precipuamente, por meio do novo papa, continuará a defender um non possumus diante de petições desse jaez. Não é tanto não querer; é não poder alterar o “depósito da fé”, as cláusulas pétreas do catolicismo.

Questões distintas são o alargamento do diálogo..a disponibilidade para parlamentar com acatólicos e agnósticos. É mister, igualmente, descobrir novas formas de proclamar o evangelho. Pode-se, outrossim, perscrutar com maior profundidade certas situações na Igreja não diretamente ligadas à doutrina revelada pelo verbo de Deus

Não é a doutrina da Igreja católica que deve mudar! É a humanidade que necessita se converter a Cristo, a fim de que haja vida abundante para todos (Jo 10,10). Neste diapasão, mesmo que se concretize o vaticínio dalguns “teólogos” de mau agouro, e a Igreja perca vastas fileiras de fiéis.

Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano e professor da Escola Dominicana de Teologia (EDT).

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