Há mais de um século, os fiéis de Tours, na França, transmitem de geração em geração a certeza de que o braço erguido da estátua de São Martinho de Tours, apóstolo da nação gaulesa, continha ossos do santo.
São Martinho de Tours nasceu na Panônia (Hungria), por volta de 316 ou 317, e faleceu em Candes, França, em 397. É um dos maiores santos da Igreja e sua imagem equestre se encontra em inumeráveis templos católicos.
O santo aparece dividindo sua capa de oficial romano com um pobre miserável nu. Na noite seguinte Nosso Senhor Jesus Cristo lhe apareceu vestido com o pedaço de capa que o oficial havia doado.
O fato foi decisivo para a sua conversão e São Martinho acabou sendo bispo de Tours, atraindo para a Igreja uma quantidade prodigiosa de pagãos e intercedendo por incontáveis milagres.
Ele é chamado de “Pai das Gálias”, pois após sua conversão retirou-se a uma gruta. Mas ali não demorou muito, porque foi chamado a ser bispo da região central da província romana que depois foi batizada como França.
Em torno de sua pessoa se reuniram muitos convertidos ao catolicismo que imitavam sua vida exemplar.
Ele instituiu a primeira escola e transformou o local – que hoje é a cidade de Tours – no grande centro de irradiação do cristianismo na atual França.
Seu túmulo e a capa do milagre foram visitados pelo rei pagão Clóvis. Esse rei estava agoniado pela perspectiva da batalha de Tolbiac contra a temível horda também pagã dos alamanes (ano 496).
Sobre o túmulo do santo, Clóvis prometeu se converter ao “Deus de (Santa) Clotilde”, sua mulher católica, se obtinha a vitória.
Clóvis venceu miraculosamente e foi batizado junto com 3.000 de seus soldados no Natal do mesmo ano por São Remígio, em Reims. Foi o nascimento da França, a primeira nação cristã da Europa.
São Martinho de Tours foi de tal maneira cultuado, que o templo onde se venerava sua capa recebeu o nome de “capela”, palavra hoje largamente generalizada.
A família real francesa recebeu o nome de “Capeto” por ter recebido, há mais de um milênio, um pedaço dessa célebre relíquia, outorgada pelo capítulo de religiosos da cidade.
Essa doação pesou decisivamente no fato da família ser escolhida para reinar na França. Reinado esse que durou até Luis XVI, e com intermitências até a queda de Luiz Felipe em 1848.
O santuário ficou tão famoso que para os bárbaros invasores saqueá-lo era o máximo objetivo no território francês.
Por isso mesmo, a cidade se encheu de muros e torres militares defensivas. De ali provém o nome da cidade “Tours” = Torres.
São Martinho de Tours é padroeiro de cidades tão diversas como Buenos Aires, Mainz, Utrecht, Rivière-au-Renard e Lucca. Quatro mil igrejas lhe estão dedicadas no mundo.
Ele é também padroeiro dos curtidores, alfaiates, peleteiros, soldados, cavaleiros, restauradores (hotéis, pensões, restaurantes), produtores de vinho, e, obviamente, dos mendigos.
Seu santuário principal, onde se encontra seu túmulo fica na cidade de Tours, na região do Loire. No século XIX, um piedoso levantamento de fundos permitiu construir uma bela basílica inteiramente nova.
A primitiva basílica foi devastada pelos protestantes que também arrasaram muros e torres.
Posteriormente, em continuidade com o espírito protestante, a Revolução Francesa demoliu a basílica restaurada e fez passar uma rua por cima do túmulo do padroeiro nacional, a fim de garantir que ele fosse esquecido definitivamente.
No século XIX, Leão Papin-Dupont (1797-1876), aristocrata francês conhecido como “o santo homem de Tours”, promoveu na França cruzadas de reparação pelas blasfêmias.
Entre elas figura a construção da atual basílica que guarda o túmulo de São Martinho de Tours.
A tradição oral dos habitantes de Tours e dos devotos do grande santo sempre afirmou que no braço da grande estátua que abençoa a França do alto da cúpula da basílica havia guardadas relíquias de São Martinho.
O relicário com o selo episcopal que garante a autenticidade |
Porém, as tendências decadentes e dessacralizantes dos tempos modernos se aprazem em contestar ou fingir ignorar tudo o que diga respeito ao sobrenatural, aos santos, seus milagres e veneráveis relíquias.
Essa tendência, presente em certo clero e fiéis modernizados, também dizia não saber nada do que todos sabiam sobre as relíquias do santo.
Agora a confusão acabou sendo dissipada ao se confirmar que a tradição oral tinha razão: os ossos estavam ali espargindo sua bênção sobre o mundo.
Na segunda-feira, 17 de fevereiro deste ano (2014), um impressionante dispositivo de guindastes foi instalado em volta da basílica para descer a grande estátua.
A obra visava restaurar seu pedestal, que precisava de manutenção e reparos.
Na ocasião, aconteceu o gaudioso achado: os ossos do primeiro bispo de Tours estavam ali.
Após a descida da estátua de bronze – de quatro metros de altura e de mais de duas toneladas de peso –, os funcionários da Prefeitura descobriram uma caixa de madeira no seu braço direito, o mesmo que abençoa.
Dentro dessa caixa havia ainda outra, feita de chumbo e fechada com um selo de cera vermelha e o sigilo de um bispo que autentificava a relíquia.
Tendo sido aberto, encontrou-se um fragmento de osso. A multidão acompanhou os trabalhos que duraram algumas horas, e não ocultou sua emoção, segundo informou France Info.
A relíquia de São Martinho encontrava-se entre flores – obviamente já secas – e vinha acompanhada de mais três relicários com ossos de três outros bispos santos de Tours: São Gregório, São Brice e São Perpétuo, sucessores do Santo.
A autenticidade das relíquias foi confirmada por Jean-Luc Porhel, conservador-chefe do patrimônio histórico de Tours.
Após as obras de restauração da cúpula e do pedestal, a estátua de bronze com suas relíquias será reposta em seu lugar em 2016.
Nesse ano haverá um jubileu do grande Santo “Pai da Gália” e da França por ocasião dos 1.700 anos de seu nascimento.